20 junho 2007

Postais Caramelos 5 - Entre Linhas

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Tire uma folha branca da sua impressora. Trate de a dividir, exactamente a meio, com um risco longitudinal a negro. Pontilhe as duas metades com pontos multicolores. Eis a representação gráfica do Pinhal Novo, ainda que de forma tosca.

O caminho de ferro foi, e ainda é, o principal polo de desenvolvimento caramelo. A vila cresceu a norte e a sul do traçado ferroviário. Muito menor foi o crescimento a montante e jusante.
A linha férrea é, de resto, responsável por uma das mais emblemáticas frases nativas: "Já está crescida, a gaiata. Já passa a linha sozinha."
E aos 10 anos, gaiato crescido, já passava a linha sozinho para ir para o Ciclo Preparatório, os melhores dois anos de sempre, no meu longo (e incompleto) percurso escolar.

Naquele tempo, não havia as três ou quatro pontes rodoviárias que hoje ligam norte e sul. Naquele tempo não havia sequer passagens pedonais. A travessia da linha férrea fazia-se sobre os carris, com o inevitável rol de acidentes, uns mais fatais, outros mais fatelos, como a vez em que tive que deixar um sapato de ténis preso entre linhas, para poder salvar o couro.

Não raras vezes, extensas composições de mercadorias paravam a marcha bem a meio da improvisada passagem de peões, mas o dique de ferro e mercadorias era facilmente transposto pelos mais ousados. Por cima, arriscando o pescoço. Por baixo, arriscando tudo o resto.
Tive a minha conta de cenas dignas de duplos de cinema.

Já no tempo de universidade, e muito antes da Ponte Vasco da Gama colocar Lisboa a 25 minutos de carro, o comboio era o principal agregador de proletários ensonados que se dirigiam maioritariamente para a capital, em mais um dia de trabalho.
Dormitava-se na meia hora de comboio. Dormitava-se na meia hora de barco. Dormitava-se em pé e em andamento, na Rua da Prata, do Ouro, na Rua Augusta.
E dormitava-se ainda na cama, ignorando os despertadores, que isso de despertar ao som do telemóvel era pura ficção científica.

Primeira História
E numa dessas manhãs de frio e preguiça próprias do Inverno, daquele Inverno a sério que já não temos, insisti na ronha descurando os minutos que inexoravelmente se evaporavam e foi já em desespero de causa que corri para a velha estação, fazendo fé nos habituais atrasos da CP.
Apanhei a composição já em marcha considerável. Um braço numa pasta, outro no varão que ajudava quem subia. Ajudar, ajudava, mas em comboios parados.
Em andamento, a deslocação do tchuca-tchuca fez-me rodar 180º e embati violentamente com as costas no comboio. Muito combalido, lá consegui voltar à posição inicial e acabei por abrir a porta e entrar com o comboio em andamento, como se tivesse subido num apeadeiro imaginário, o que deixou espantado o pessoal que se amontoava junto à porta. Disse-lhes "bom dia" e procurei um lugar para me sentar...

Segunda História
Melhor fez uma outra vez o meu amigo N.
Salvo erro, ele também subiu uma vez com o comboio em andamento. Em brando andamento. Não levou a chicotada da deslocação de movimento como eu, mas teve outro tipo de azar. A porta estava fechada e dessa vez o comboio estava quase vazio. Ele bem bateu à porta, mas ninguém lhe atendeu. Era também Inverno, e o pobre N. teve que aguentar uns 5 a 10 kms de viagem, sempre do lado de fora agarrado ao varão.
E lá conseguiu subir, todo enregelado, no apeadeiro do Penteado.
A última vez que alguém passou tanto tempo agarrado ao varão, acabou na cama com o Pinto da Costa...

Terceira História
Mas uma das mais glamourosas histórias de comboios ocorreu nos míticos anos 80.
A Rainha de Inglaterra, herself, estava de visita a Portugal e iria passar pelo Pinhal Novo, onde chegaria num charmoso comboio a vapor, seguindo depois de coche não sei para onde.
Nesses tempos, com muita imaginação e tempo para gastar, ocupava algumas das tardes livres em pinhais, prédios em construção, fábricas desactivadas e terrenos cultivados ou simplesmente... inusitados.

O meu irmão, na altura com uns seis ou sete anos, ia muitas vezes a tiracolo, que é como quem diz, "ia obrigado". Nesse dia de reis e rainhas, a aventura campestre - sempre levada a cabo sem o conhecimento dos meus pais, entregues aos escrupulosos horários de duas multi-nacionais - correu menos bem. O meu irmão, longe do pequeno gigante que hoje é, não primava pela coragem e, instigado a saltar uma pequena vala fedorenta entre verdes campos, melhor não fez do que cair lá dentro.
Quando o retirei - tinha chafurdado lá uma perna - ainda me deu para o descompor pelo salto falhado, mas descomposto e nauseabundo já ele estava.
Ainda assim, segui para a segunda parte daquilo que tinha previsto para a tarde.

E foi assim, entre aplausos, flores, olhares depreciativos e narizes torcidos, que dois mal-cheirosos plebeus espreitaram a Rainha de Inglaterra, na sua primeira e última passagem pelo Pinhal Novo.

8 comentários:

Anónimo disse...

Sobre a segunda história, não era que o comboio fosse vazio, que até ia bastante gente de manhã para Lisboa, mas só o revisor tinha a chave ...

O que importa dizer é que não consta que a rainha de inglaterra tenha experimentado este tipo de desporto radical quando cá veio.

N.

Anónimo disse...

Nostálgico... Sinal de como os anos passam a galope!

Duas notas:

1ª Nem só se dormitava nas meias horas de comboio e de barco. Também havia quem estudasse a matéria quase toda que ia sair no exame de Direito daí a pouco. E também havia quem enchesse páginas A4 de banda desenhada e, a propósito, até tenha criado a personagem do capitão do barco.

(e o percurso do comboio para o barco, com aquela gente toda? não parecíamos uns pinguins a caminhar atrás uns dos outros?)

2ª Estou quase certa de que era a segunda vez que a rainha nos visitava... Tanto que se dizia que ela fez questão de voltar a fazer de comboio a viagem até Évora, tal como fizera aquando da sua primeira visita a Portugal.

Beijos. Adorei o postal, pena não o poder afixar num quartel virtual perto de nós:-(

ana v. disse...

Confirmo que a rainha já cá tinha vindo antes. Sou a prova viva disso, eu e mais umas tantas Anas Isabéis que se chamam assim por causa da (linda!!) princesa Ana, filha de her majesty. Aquela que tem cara de cavalo, predicado que perdeu relevo desde que apareceu a Camilla.
Quanto ao efeito que o cheiro dos 2 manos teve na rainha, deve ter sido bem forte. Ainda hoje tem um ar enjoado...
Bjs
Ana

João Paulo Cardoso disse...

N.:

Não me parece que a Rainha de Inglaterra tenha tomates para viajar pendurada num comboio, em pleno Inverno.

Aliás, não me parece que a Rainha de Inglaterra tenha tomates para viajar pendurada num comboio, independentemente da temperatura que faz lá fora.

Aliás, não me parece que a Rainha de Inglaterra tenha tomates.

Aliás, de certeza que a Rainha de Inglaterra não tem tomates.
Pelo menos, esperemos que não.

Um abraço.

João Paulo Cardoso disse...

L. e A.V.:

Pois... parece que, de facto, era a segunda vez que a Rainha de Inglaterra nos visitava.

Uma pergunta pertinente: Quem é o chefe de estado que resolve passar duas vezes pelo Pinhal Novo?
Estava-se a habilitar a apanhar alguns caramelos mais mal-cheirosos, o que veio a acontecer.

E, para mal dos pecados de Sua Alteza Real, continuamos a exportar para Inglaterra, portugueses que cheiram mal da boca e dos pés.

Sorry,Your Highness...

Anónimo disse...

Boa noite ó pandleraige.
Atão na se buebe nada por aqui?
Um home tá seco e bócês só falam de rainhas e balas da merda?
Atão ela debia era de ter ido ber a bala da merda e chafurdar lá dentro em vez de andar de carruagem real.
Bou mas é buer umas mines.

João Paulo Cardoso disse...

toino das mines:
Servimos caipirinhas há pouco tempo...
Mines, é que já não temos.

Volte sempre.
Mais sóbrio, de preferência.

Anónimo disse...

Bom dia.

Sobre a passagem da rainha Isabel II pelo Pinhal Novo, por acaso tem mais detalhes? Tipo, data, etc?
Obrigado e cumprimentos