14 fevereiro 2007

A Balada dos Amantes

Post nº 49

Uma velha placa ondulada de alumínio, que dançava periclitantemente ao ritmo de repentinas rajadas de vento gelado, servia-lhes de improvisado abrigo.
Ela tinha as mãos delicadas, macias. Quase sempre geladas, ainda mais em dias assim, de chuva tocada a vento. Ele dava-lhe a mão e argumentava as razões do coração, mas também tinha a noção de que aquilo "era chover no molhado". Mais valia fazer do que falar.

Então, com aquele seu jeito ao mesmo tempo paciente e insistente, ele tocou-lhe ao de leve no queixo, sobreergueu-lhe o rosto e deixou que uma voz treinada soltasse frase poeta:

- Olha-me nos lábios.

Ela sorriu-lhe e começou a ceder. Deixou-se abraçar e encostou os lábios aos dele. Eram carnudos e macios como um morango sumarento. Os dela eram desenhados a lápis de cor e sabiam a cereja-mel. Fruta fora de época era manjar dos deuses, por isso esqueceram as reticências que pontuavam o futuro e entregaram-se sem mais vírgulas num beijo quente que amornava o frio daquele final de tarde.

As mãos dele, perscrutaram-lhe o corpo, por baixo das várias camadas de roupa, até chegar onde queria. Acendeu-lhe o desejo tão rapidamente como se inflamável fosse. A respiração tornou-se mais pesada.


Quando descolaram, ela encostou a cabeça nos ombros dele e suspirou quase imperceptivelmente:

- Vamos dar uma corrida até ao carro, amor? - disse-lhe ela.
- Desculpa, estás-te a molhar, não é?
- Estou... mas não é da chuva...

Ele riu com vontade, puxou-a para si, e correu junto dela para o carro, enquanto escarniçava um "és pouco, fresca, és!", ao que ela respondia com uma voz dengosa "não sou nada!"

No carro, consumaram desajeitadamente o desejo que tinham.

Amavam-se naquele momento e sabiam que dificilmente voltariam a percorrer a estrada da vida sem o outro ao lado. E isso, dava-lhes em doses quase idênticas, alento e insegurança, para essa estrada minada de panóplia de obstáculos.
Iriam conseguir? Bem... deixariam isso ao cuidado do destino.

Às vezes, é assim.
Amantes de personalidade complexa só descomplicam com um beijo molhado, em todos os sentidos.
Com todos os sentidos, num beijo molhado.

Dedicado à princesinha que amo.

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