18 outubro 2007

Cuscos e Mirones

O Eldorado - Edição nº 172

Há mais de 500 anos, alguém se chegou ao pé do Cabo da Roca, colocou as mãos em pala sobre os olhos, mirou, mirou, mirou e pensou: "E se a malta fosse por este mar afora, descobrir mais mouros para cascar, especiarias, monstros marinhos e mulatas de bundinha arrebitada?"

E assim começou uma longa tradição contemplativa, enraizada de tal forma no nosso código genético que somos capazes de deixar uma tarte de natas a meio, para ver os vizinhos a fazer marmelada, ou trocamos uma bela fatia de melancia fresquinha, para ver dois bêbedos à bananada.

São opções, dirão.
Não, é cusquice mesmo.


Gostamos de espreitar, nada a fazer.
Espreitamos as pernas das meninas, o resultado dos acidentes de trânsito, as repetições dos alegados 'penalties', as cantoras boazonas dos anos 80 no "Eldorado", a revista que outros desfolham no Metro e até a tabela de ordenados dos jogadores do Sporting.

Há alguns dias, passaram por cá os Princípes das Astúrias.

Quem?!

A Letízia e o Filipe.

Ah sim, vejo-os nas revistas e gosto muito deles. São como se fossem da família. O quê? Vão passar por Beja? Pois hei-de lá ir, sim senhor!

Desculpe... a senhora não mora em Freamunde?

Atão, é um pulinho... não posso deixar de ir ver se a "Litícia" está mais magrinha e se o espanhol é mesmo alto como dizem!!

E foi isto.
Centenas de mirones a fazer adeus aos Princípes das Astúrias, que a população não faz a mais pálida ideia de onde raio fica, mas o que é que isso interessa?
E ouviram-se disparates como:

"Ai, tão magrinha!

"Ó "Litíxia"! Vai lá a minha casa que eu preparo-te umas migas que 'tás muito fraquinha, menina!

"Que lindo vestido que ela tem! Vi um igual a semana passada numa revista!"

"Ó Filipe, faz-me um herdeiro!"


E quando os jornalistas queriam saber porque estavam ali horas à espera do monárquico casal, respondiam:

"Ah, para ver se são como nas revistas!"

Ou...

"Ê nâ sei porque vim, mas já tinha acabado o dominó com o Zéi da Adega e nã tinha mais nada p'ra fazeri..."

Então, e aquele que vai ali, não é o Sócrates?

"Ah, esse já está muito visto e mal-visto até!"

Então e... aquele ali não é o Malato?

"Onde? Onde? O Malato é alentejano como nós! "Bute" ver o Malato!!"

E não é o Pato Donald que vai ali com o Elvis, naquele disco voador?

"Onde? Onde? 'Bora ver isso!!"

Esperem! Um tipo de motorizada espetou-se contra um camião a dois quarteirões daqui! Dizem que o tipo ficou mesmo mal!

"Epa! Isso é que é giro!! Vamos ver isso primeiro!!"

Muito triste viver em um país assim.
Detesto essas pessoas tão básicas, tão pequeninas que vivem para cuscar, mirar e...

Desculpem, mas tenho que ir andando.
A boazona de mini-saia que tem estado ali na paragem para apanhar o 28, vai subir para o eléctrico...

9 comentários:

Maria Feliz disse...

Conforme solicitado pelo menino que faz este blog, aqui estou eu para comentar.

Como já sabem que eu gosto do que o JP escreve, e sempre que passo aqui farto-me de rir, digo apenas o seguinte:

O 18 não é um autocarro, é um eléctrico. E os autocarros agora têm 3 números e começam todos por "7". Acho eu...

Beijos

João Paulo Cardoso disse...

Flora:
Assim, é que é!
Parecem os bons velhos tempos em que a menina era a primeira ou segunda a comentar,sempre atenta para corrigir as minhas imprecisões e era tratada por "você".

Vou transformar o autocarro em eléctrico.

Uma operação tão complexa e aparatosa que deverá atrair mais mirones.

Beijos para a tua actual "Vie en Rose".

Mad disse...

A cusquice por desporto é, provavelmente, a característica tuga que mais me irrita. Lembro-me de ter assistido ao vivo a um desastre na segunda circular e imediatamente se juntaram 20 pessoas e outros tantos carros para "ver" a desgraça. As pessoas só olhava, sem sequer perguntarem se era preciso fazer alguma coisa. E os que paravam o carro faziam-no de qualquer maneira, no meio da segunda circular. Foram precisos uns insultos valentes para que um taxista tirasse os olhos esbugalhados do sangue (que não era muito), se dignasse chamar uma ambulância do seu rádio (isto foi antes dos telemóveis) e que consentisse em tirar o taxi, de portas abertas e sem piscas, da faixa do meio!

Ai, ai...

João Paulo Cardoso disse...

Mad:
Um acidente na segunda circular?
Epa! Vou já para lá!
Quero ver isso!

Beijos.

Maria Feliz disse...

Só mais uma coisinha...

Os autocarros hoje em dia têm todos o piso rebaixado, pelo que não ias ver grande coisa, quando a boazona entrasse.

Já no eléctrico (à excepção do 15) há que subir uns degraus, pelo que a opção por este meio de transporte foi muito adequada!

:-)

Beijocas

João Paulo Cardoso disse...

Flora:
Quem é que está farta de andar de transportes públicos, quem é?

Maria Feliz disse...

JP,

Enganas-te amigo.
Eu sou uma burguesa! Mas não deixo de estar atenta ao que me rodeia (e pronto, confesso, há uma paragem de eléctrico e autocarro na esquina da minha rua...)

Visão Caleidoscópica disse...

Cusquice?
Onde...onde?
Eu quero ir lá ver!
Nã...prefiro o meu cantinho, "sogadita", que eu cá nã me meto em confusões!
Acidentes vou ver por obrigação e dever, sim!
Mas se não precisam de mim, piro-me logo dali.
O resto são estórias cor de rosa.
Boa semanita para ti.
E não te esqueças de cuscar a vizinha da janela em frente!!!
Até mais....

João Paulo Cardoso disse...

Maria:
Dizes tu que não ligas a cusquices?

E esse olho azul que acompanha os teus comentários e que parece tudo perscrutar?

E o que é isso de "Visão Caleidoscópica"?

Pois é, pois é...


Beijos:)