30 outubro 2007

Língua Azul

O Eldorado - Edição nº 176

Esta noite sonhei que as ovelhas do meu presépio tinham a língua azul.

Levantei-me às quatro da manhã, enfiei os pezongos nos chinelos esburacados, limpei duas ou três remelas, apertei o roupão em torno do dorso hercúleo (pois, pois...) e lá fui eu cheio de coragem, tipo Indiana Jones em busca da Arca Perdida, neste caso, a pequena arca com os bonecos para o presépio, que só esperava remexer lá para os feriados do princípio de Dezembro.

Subi para cima de uma cadeira para chegar a uma portinhola no topo do armário da sala e, assim que rodei a chave, ouvi balir jingle bells ainda mais desafinadamente que os piores concorrentes do "Família Superstar".
Aquilo era mesmo lancinante, como se estivessem a estripar a Céline Dion.

O caos era generalizado: o menino Jesus chorava, Maria desancava em José, o burro zurrava, a vaquinha mugia, Baltazar, Gaspar e Belchior interpretavam, bêbedos que nem um cacho, os maiores êxitos do Trio Odemira, os camelos blateravam, os patos grasnavam, as galinhas cacarejavam, os coelhos chiavam, os cisnes arensavam e o moleiro não se calava por, alegadamente, a equipa de Belém ter sido prejudicada frente à Académica, no último fim-de-semana.

Peça a peça, fui colocando as figuras empoeiradas no chão da sala.
Cada uma delas foi encostada aos meus lábios (um privilégio que poucos usufruem) e recebeu um severo "Chiuuu!!", porque aquele chinfrim acabaria por acordar os vizinhos que, inevitavelmente chamariam a polícia.
E o que diria eu?

"Ó sr. guarda! Mas se lhe estou a dizer que não era eu que estava a fazer o barulho, era o menino Jesus!"
"Sim, sim! O menino Jesus, os reis magos e as ovelhinhas, não?"
"Exacto! O sr. guarda também tem um presépio assim?"

Mais calmos, alguns dos bonecos de louça lá se fizeram ao caminho, porque apesar de não ter colocado no chão nenhuma cabana com o menino Jesus lá dentro, por tradição, as peças colocam-se em fila indiana e vão... para um sítio qualquer.

Como o que me interessava eram as ovelhas, deixei que reis magos e restante maralha seguissem o seu destino, apenas recomendando que não tropeçassem no cabo da Sportv, avisando desde logo que, se acontecesse alguma coisa, seriam eles a ficar todo o dia prostrados ao telefone, à espera que alguém da Tv Cabo os atendesse.

Juntei então as 219 ovelhas, para averiguar se alguma delas tinha a língua da cor do sangue do Alberto do Mónaco.
Big Problem: Como é que eu abro a boquinha de louça destas figurinhas?

Foi então que se fez luz.
Não só porque a acendi, mas sobretudo porque tive a ideia de contar ao rebanho, que o governo garantiu que ainda não é em 2008 que os portugueses vão pagar menos impostos.

As ovelhas abriram a boca de espanto e eu pude confirmar que nenhuma delas sofria do Orbivírus da família Reoviridae, que possui 24 sorotipos e que afeta ovinos, bovinos e diversas espécies de ruminantes selvagens.
Ou seja, nenhuma tinha o escalope azulado.

Mais descansado, guardei tudo onde estava e fui dormir.
Não sei é se, até ao Natal, a maior parte das ovelhas do meu presépio não terá decidido emigrar para Espanha, onde una oveja no paga tanta contribución.

8 comentários:

Maria Feliz disse...

Bom saber que vais buscar inspiração ao meu blog!

Beijocas

João Paulo Cardoso disse...

Flora:
Todas as fontes de inspiração são bem-vindas.

Beijos.

João Paulo Cardoso disse...

Maria:
O presépio só volta a ser mexido lá mais para a frente.

Depois falamos sobre as vacas loucas, porque convenhamos que falar disso no Dia das Bruxas é brincar com a sorte.

Beijos.

Anónimo disse...

Finalmente consigo vir aqui ler e comentar alguma coisinha, chiça, estava difícil.
JP, É EU DE NOVO AQUI!!!!!

Meu amigo, primeiro saudações e os meus parabéns pelo trabalho de pesquisa. É assim mesmo, dá-se conta de quem faz o trabalho de casa. Estou orgulhosa...
Bela pesquisa de onomatopeias, quase fiquei como que esmagada! Pergunto-me é onde colocas os cisnes e os patos no teu presépio... Ao fim deste tempo apercebo-me que a bicharada do meu presépio é mais reduzida...

Depois não consigo deixar de ficar confusa. Com tanta ovelha, e ainda perto da loucura (sim, porque se não é à conta da língua azul de certeza que essa história dos Sócrates não lhes fará nada bem à saudinha), com esse número de ovelhas tu em vez de um pastor tens um moleiro? JP, não me admira que todos berrem e ninguém se entenda.

Um beijo, até...

Anónimo disse...

Hey JP, com que então dorso hercúleo, ahh??

;)

Mad disse...

Pois eu também parei lá no tal dorso hercúleo e não consegui ler mais nada!

João Paulo Cardoso disse...

Susana e Mad:

Este blog nasceu da necessidade de o seu autor explanar, ao nível global, toda a sua comicidade e, mais ainda, o vasto saber enciclopédico e a complexidade do seu carácter que o tornam uma das mentes mais fascinantes deste século.
E uma das mais modestas também.

Alardear, superficialmente que seja, ao dorso hercúleo do autor, ainda que instigadas pelo próprio, desvirtua toda a filosofia deste blog, deixando-me deveras amargurado.

Deixa-me, no entanto, em condições de anunciar que será publicada amanhã, uma foto em corpo inteiro, onde apareço nu, em plena forma, com o tal dorso hercúleo, abdominais bem definidos e tudo, mas tudo no sítio.
Assim, se quiserem começar a formar fila, terei todo o gosto em... em...

... em confessar que é tudo mentira!!
Há cactos no deserto mais bonitos e fofinhos do que eu!!
Buáááááááá!!!!!!

(mais uma vez, a todos os títulos notável e notória a bipolaridade tresloucada do autor deste blog que começa por responder aos comentários com a pujança e bazófia de um gladiador, terminando com a fragilidade de um hamster em fase terminal)

Anónimo disse...

JP, estou deveras desiludida com tal confissão. É de uma tremenda falta de consideração o que acabaste de fazer comigo e com a Mad, para além de todos os outros leitores e leitoras que tiveram algum receio em se manifestar.

A alusão ao teu alegado dorso hercúleo fez com que os sorrisos se mantivessem no nosso rosto durante um dia inteiro, os nossos sonhos nocturnos ganharam outra dimensão (e que dimensão), a nossa vontade de viver o dia-a-dia teve outro significado e agora assim, friamente (embora com lágrimas de hamster à mistura) confessas que tudo não passou de uma mentira dessa mente modesta e fascinante que carregas.

Mas contando até 100, tendo em conta o teu sofrimento, a tua amargura ao admitires perante todos que mentiste e iludiste, tenho a dizer-te que talvez consiga perdoar-te. Vai levar o seu tempo, vais precisar de ter alguma paciência comigo mas se queres o meu perdão para continuares a viver dignamente, por favor esforça-te para que eu esqueça este desagradável episódio.
Conto com a tua capacidade em surpreender-me.

E agora toca a limpar as lágrimas, que já não aguento tanta choradeira, e nada de abraços nem de beijos. Vá, comporta-te!