O Eldorado - Edição nº 176
Esta noite sonhei que as ovelhas do meu presépio tinham a língua azul.
Levantei-me às quatro da manhã, enfiei os pezongos nos chinelos esburacados, limpei duas ou três remelas, apertei o roupão em torno do dorso hercúleo (pois, pois...) e lá fui eu cheio de coragem, tipo Indiana Jones em busca da Arca Perdida, neste caso, a pequena arca com os bonecos para o presépio, que só esperava remexer lá para os feriados do princípio de Dezembro.
Subi para cima de uma cadeira para chegar a uma portinhola no topo do armário da sala e, assim que rodei a chave, ouvi balir jingle bells ainda mais desafinadamente que os piores concorrentes do "Família Superstar".
Aquilo era mesmo lancinante, como se estivessem a estripar a Céline Dion.
O caos era generalizado: o menino Jesus chorava, Maria desancava em José, o burro zurrava, a vaquinha mugia, Baltazar, Gaspar e Belchior interpretavam, bêbedos que nem um cacho, os maiores êxitos do Trio Odemira, os camelos blateravam, os patos grasnavam, as galinhas cacarejavam, os coelhos chiavam, os cisnes arensavam e o moleiro não se calava por, alegadamente, a equipa de Belém ter sido prejudicada frente à Académica, no último fim-de-semana.
Peça a peça, fui colocando as figuras empoeiradas no chão da sala.
Cada uma delas foi encostada aos meus lábios (um privilégio que poucos usufruem) e recebeu um severo "Chiuuu!!", porque aquele chinfrim acabaria por acordar os vizinhos que, inevitavelmente chamariam a polícia.
E o que diria eu?
"Ó sr. guarda! Mas se lhe estou a dizer que não era eu que estava a fazer o barulho, era o menino Jesus!"
"Sim, sim! O menino Jesus, os reis magos e as ovelhinhas, não?"
"Exacto! O sr. guarda também tem um presépio assim?"
Mais calmos, alguns dos bonecos de louça lá se fizeram ao caminho, porque apesar de não ter colocado no chão nenhuma cabana com o menino Jesus lá dentro, por tradição, as peças colocam-se em fila indiana e vão... para um sítio qualquer.
Como o que me interessava eram as ovelhas, deixei que reis magos e restante maralha seguissem o seu destino, apenas recomendando que não tropeçassem no cabo da Sportv, avisando desde logo que, se acontecesse alguma coisa, seriam eles a ficar todo o dia prostrados ao telefone, à espera que alguém da Tv Cabo os atendesse.
Juntei então as 219 ovelhas, para averiguar se alguma delas tinha a língua da cor do sangue do Alberto do Mónaco.
Big Problem: Como é que eu abro a boquinha de louça destas figurinhas?
Foi então que se fez luz.
Não só porque a acendi, mas sobretudo porque tive a ideia de contar ao rebanho, que o governo garantiu que ainda não é em 2008 que os portugueses vão pagar menos impostos.
As ovelhas abriram a boca de espanto e eu pude confirmar que nenhuma delas sofria do Orbivírus da família Reoviridae, que possui 24 sorotipos e que afeta ovinos, bovinos e diversas espécies de ruminantes selvagens.
Ou seja, nenhuma tinha o escalope azulado.
Mais descansado, guardei tudo onde estava e fui dormir.
Não sei é se, até ao Natal, a maior parte das ovelhas do meu presépio não terá decidido emigrar para Espanha, onde una oveja no paga tanta contribución.
8 comentários:
Bom saber que vais buscar inspiração ao meu blog!
Beijocas
Flora:
Todas as fontes de inspiração são bem-vindas.
Beijos.
Maria:
O presépio só volta a ser mexido lá mais para a frente.
Depois falamos sobre as vacas loucas, porque convenhamos que falar disso no Dia das Bruxas é brincar com a sorte.
Beijos.
Finalmente consigo vir aqui ler e comentar alguma coisinha, chiça, estava difícil.
JP, É EU DE NOVO AQUI!!!!!
Meu amigo, primeiro saudações e os meus parabéns pelo trabalho de pesquisa. É assim mesmo, dá-se conta de quem faz o trabalho de casa. Estou orgulhosa...
Bela pesquisa de onomatopeias, quase fiquei como que esmagada! Pergunto-me é onde colocas os cisnes e os patos no teu presépio... Ao fim deste tempo apercebo-me que a bicharada do meu presépio é mais reduzida...
Depois não consigo deixar de ficar confusa. Com tanta ovelha, e ainda perto da loucura (sim, porque se não é à conta da língua azul de certeza que essa história dos Sócrates não lhes fará nada bem à saudinha), com esse número de ovelhas tu em vez de um pastor tens um moleiro? JP, não me admira que todos berrem e ninguém se entenda.
Um beijo, até...
Hey JP, com que então dorso hercúleo, ahh??
;)
Pois eu também parei lá no tal dorso hercúleo e não consegui ler mais nada!
Susana e Mad:
Este blog nasceu da necessidade de o seu autor explanar, ao nível global, toda a sua comicidade e, mais ainda, o vasto saber enciclopédico e a complexidade do seu carácter que o tornam uma das mentes mais fascinantes deste século.
E uma das mais modestas também.
Alardear, superficialmente que seja, ao dorso hercúleo do autor, ainda que instigadas pelo próprio, desvirtua toda a filosofia deste blog, deixando-me deveras amargurado.
Deixa-me, no entanto, em condições de anunciar que será publicada amanhã, uma foto em corpo inteiro, onde apareço nu, em plena forma, com o tal dorso hercúleo, abdominais bem definidos e tudo, mas tudo no sítio.
Assim, se quiserem começar a formar fila, terei todo o gosto em... em...
... em confessar que é tudo mentira!!
Há cactos no deserto mais bonitos e fofinhos do que eu!!
Buáááááááá!!!!!!
(mais uma vez, a todos os títulos notável e notória a bipolaridade tresloucada do autor deste blog que começa por responder aos comentários com a pujança e bazófia de um gladiador, terminando com a fragilidade de um hamster em fase terminal)
JP, estou deveras desiludida com tal confissão. É de uma tremenda falta de consideração o que acabaste de fazer comigo e com a Mad, para além de todos os outros leitores e leitoras que tiveram algum receio em se manifestar.
A alusão ao teu alegado dorso hercúleo fez com que os sorrisos se mantivessem no nosso rosto durante um dia inteiro, os nossos sonhos nocturnos ganharam outra dimensão (e que dimensão), a nossa vontade de viver o dia-a-dia teve outro significado e agora assim, friamente (embora com lágrimas de hamster à mistura) confessas que tudo não passou de uma mentira dessa mente modesta e fascinante que carregas.
Mas contando até 100, tendo em conta o teu sofrimento, a tua amargura ao admitires perante todos que mentiste e iludiste, tenho a dizer-te que talvez consiga perdoar-te. Vai levar o seu tempo, vais precisar de ter alguma paciência comigo mas se queres o meu perdão para continuares a viver dignamente, por favor esforça-te para que eu esqueça este desagradável episódio.
Conto com a tua capacidade em surpreender-me.
E agora toca a limpar as lágrimas, que já não aguento tanta choradeira, e nada de abraços nem de beijos. Vá, comporta-te!
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