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Hoje, ao princípio da tarde, percebi que estava de volta.
Os olhos perderam brilho. Os lábios retesaram-se ilustrando frustração. E todo o rosto adquiriu uma inexpressividade ao mesmo tempo estudada e genuína.
Então, a senhora do pronto-a-comer descodificou o grito silencioso de injustiça que me corria na alma e o ronco ruidoso do estômago guloso dos esfomeados de ocasião.
Voltou atrás, sabendo que a espreitava pelo canto do olho, enquanto aguardava na fila para a caixa de pagamento, e juntou uma segunda espetada ao prato encomendado.
Espetadas de porco, com batatas fritas e arroz de tomate e pimento.
Intervalo nas experiências gastronómicas que ainda não mandaram a cozinha pelos ares, mas catapultaram a auto-estima nesta área, para bem perto das estrelas.
Não são ainda as estrelas do Guia Michelin, mas também não me parece que vá a tempo de ser Chef de luxo no Gambrinus, no Eleven, na tasca aqui da rua, ou no catalão El Bulli, onde os comensais têm que marcar mesa com meses de antecedência.
Mas já vou cozinhando o básico: Ovos mexidos, bifes com arroz, esparguete ou batatas fritas, arroz de atum, com filetes, etc.
Só que às vezes rendo-me ao facilitismo, à preguiça, à gula, pagos a singelos 3 euros e 30 cêntimos, no pronto-a-comer Mariana, do outro lado da ponte.
Normalmente servem bem, mas hoje aconteceu a história das espetadas.
Fiquei frustrado com uma única e singela espetada, depositada com desdém em cima de um tapete bem mais substancial de arroz e batatas fritas.
E fiz aquele ar triste e desanimado que fazia derreter professoras há muitos anos atrás.
Muitas das minhas notas foram inflacionadas à conta desse ar de menino perdido que, juntamente com uma indómita força de vontade, pareciam levar-me ao colo rumo a um destino de sucessos anunciados em oráculo de confiança.
Algo que se transviou entretanto.
Mas quando vi a senhora do pronto-a-comer voltar atrás, marioneta do meu charme de cachorrinho perdido, persuadida por um dos truques do passado, oferecendo-me, à sucapa, mais um belo naco de carne para que eu saísse dali abanando a cauda alegremente, lati interiormente com satisfação.
Estou de volta.
10 comentários:
Vejo que sim, e em grande forma, com coragem para enfrentar duas espetadas e tudo.
Falta saber o que a senhora do pronto-a-comer vai querer em troca, será preciso assim tanto estômago para fazer face às suas (da senhora) exigências?
Bom, só aí darei a mão à palmatória em relação a esse ar de cachorrinho abandonado. Se ela não cobrar daqui a uns tempos a espetada extra, vais ter de revelar como consegues esse olhar fatal.
Também quero o mundo a meus pés, mesmo que seja só o mundo das espetadas e afins...
;) Bom regresso. Um beijo
Finalmente vim visitar este lugar obscuro de que tanto se fala e onde te refugias nas palavras.
Está bem... continua assim que vais bem (não é ironia).
Um abraço.
Ha gente com muita pancada por aqui :)
Nao respondi ao te mail apenas por falta de tempo. Assim comento aqui e respondo ao meil de uma so vez.
Obrigado pela consideracao e pela nao exclusao da lista dos nao actualizados, mas a verdade eh que nao vale a pena. Pertenco a este mundo apenas de uma forma passiva e mais nao consigo. Talvez quando me reformar consiga fazer qualquer coisita :)
Preciso do teu telemovel. Manda para o mail. Depois explico porque.
nf
(Manda so o numero. Presumo que o telemovel te faca falta)
Bom regresso, JP. Vejo que em forma e com graça, como sempre. As férias não te retiraram qualidades.
Vais receber um mail meu, depois verás porquê. Como vês, estás muito solicitado pelos amigos.
bj
ana
Susana:
A senhora do pronto-a-comer só exigiu os 3 euros e 30 cêntimos que eu posso parecer um cachorrinho abandonado, mas tenho dona.
Quanto ao "olhar fatal", para falar a verdade é mais um "olhar fatelo" por culpa da miopia.
Mas se os olhos são o espelho da alma, acredito que os meus vão pedir sempre mais, porque, e chega de fazer o papel de coitadinho que fiz nos últimos 36 anos, mereço mais.
E ainda vou a tempo.
Só preciso que Dona Sorte olhe-me nos olhos.
Beijos, Susanita.
Paulo Cristo:
Olha, um "compagnon de route"!!
Bem-vindo sejas a "este lugar obscuro"!!
Espero que voltes cá mais vezes e que não te abstenhas de comentar.
Entretanto vou conferir se a electricidade foi paga este mês.
Um abraço.
Maria:
Ai, ai, estas precipitações na interpretação das minhas palavras!!
Eu sei que tenho uma escrita de duplos sentidos, cheia de esquinas e becos sem saída, mas vamos lá descodificar:
Na frase, "Acho que foi a primeira vez, que li e ouvi o teu blog." a expressão a reter é "OUVI".
Ler e OUVIR o teu blog ao mesmo tempo, se não me engano, foi a primeira vez.
O que não significa que não tenha estado várias vezes, na tua "modesta casita", a ler o que bem escreves.
Mas "OUVIR", porque estou numa biblioteca, é mais complicado.
E não tenho motivos para esconder que frequento o teu blog, a menos que aquele insecto gigante que dá as boas-vindas no "Visão Caleidoscópica", esteja envolvido na destruição dos campos de milho transgénico ou no caso BragaParque.
Espero que a justificação seja aceite em tribunal.
Beijos e bom fim-de-semana, sua tonta.
Null Fame:
O meu número de telemóvel já seguiu em e-mail.
Estranhei em ti a frase "Pertenço a este mundo apenas de uma forma passiva e mais não consigo", mas depois percebi que te referias apenas à falta de tempo para escrever.
Lamento que não escrevas mais vezes porque era uma forma de estar mais perto de ti.
O GAJO É MEU PRIMO! O QUE JÁ ESTAVAM PARA AÍ A PENSAR?
Esta gente! Não se lhes pode dar uma mão que abocanham logo um braço até ao cotovelo.
Um abraço.
(se não me devorarem os bracinhos...)
Ana Vidal:
Muitíssimo obrigado pela dica!
Já pus mãos à obra, agora vamos ver se o pessoal gosta do que eu escrevo.
Espero que sim. O meu ego necessita de massagens e a minha carteira de folhagens em numerário ou cheques com muitos zeros à direita.
O meu e-mail eferveresce com mensagens e dicas assim, por isso, mais novidades na área do jornalismo ou da escrita criativa serão sempre muito bem-vindas.
Beijos e bom fim-de-semana.
Jota, vou responder ao teu comentario em breve. Pessoalmente.
nf
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