Foram quase seis anos e meio de mimos e descobertas, longe, bem longe de qualquer tipo de responsabilidade, a não ser ter de dormir à noite e de comer à hora das refeições.
Até que chegou o primeiro dia de aulas, num qualquer dia do Outubro de 1977.
"Mamãe" levou-me pela mão, para que, logo no primeiro dia, não fosse atropelado pelo trânsito da Estrada Nacional que ainda hoje esquarteja a vila de Pinhal Novo bem a meio.
Na verdade, não havia tanto trânsito como hoje e, sendo a minha terrinha a capital da nação caramela, eram comuns as passagens de carroças puxadas por bestas acicatadas por moscas varejeiras.
E havia a carroça do homem que vendia azeite, a do homem que vendia pão, outra para a venda de leite e, não fosse Portugal, desde sempre, um país de mentalidade pouco audaz, por assim dizer, haveria também carroças com meninas nuas professando as delícias pecaminosas daquela que dizem ser "a mais velha profissão do mundo".
Nudez só mesmo a dos equídeos entregues a uma precariedade laboral jamais defendida pelos sindicatos do sector...
Adiante.
Além de "mamãe", de mão apertada na minha, seguia também a vizinha do rés-de-chão direito, com a sua filhota, que chorava baba, ranho e outras viscosidades não identificadas, abominando a ideia de se separar da asa da progenitora para se lançar num covil de outras como ela.
A miúda de então, assim que entrou celerada na adolescência, espigou desmesuradamente, ao ponto de passar a ser conhecida por "girafa".
Posso vos dizer que o tempo não lhe trouxe qualquer predilecção pelas folhas mais tenrinhas das copas das árvores, mas ela própria já foi comida uma série de vezes, facto comprovado pela descendência que a acompanha na lida de mulher adulta.
Adiante. Outra vez.
Eu não chorava. Pelo contrário invadia-me uma espécie de felicidade sem fundamento, como se tivesse sido criado por uma família hippie habituada a baforar círculos e círculos de marijuana.
Ria.
Ria-me como um perdido por ter-me achado entre iguais. Crianças ávidas de conhecimento, de convívio, e de pancada.
Logo no primeiro dia participei numa espécie de Intifada, com calhaus escolhidos a dedo e alvos bem medidos a olho, porque naquele tempo ainda a miopia não tinha encetado o 'ménage à trois' com as meninas dos meus olhos.
E foi assim que parti a cana do nariz a um rapazito que, salvo arrefecimento da memória, se chamava Hugo.
Era a primeira vez que via sangue fora da televisão e não dava para mudar de canal.
Então dei sebo às canelas até que, cinco minutos depois, já era procurado em todos os cantos pelo Hugo e por um gang infantil às sua ordens.
Mais tarde desfiz-me em desculpas e promessas de dispensar à raiva e gula dos meus pioneiros inimigos, as primeiras 50 merendas dos meus primeiros 50 recreios.
E por falar em números, foi aqui que comecei a elaborar o sempre actualizado ' ranking' das mulheres mais bonitas, no caso, das meninas mais bonitas da turma.
Eram quatro.
Duas louras, uma morena e uma ruiva que reencontrei no ano passado.
Meninas de admirar, de trocar palavras, de brincar inocentemente, porque a fase de beijos e apalpões ainda vinha longe.
De facto, o melhor da marmelada vivia ainda na zona de Oeiras e não posso dizer mais.
E o tempo correu. Voou. Esfumou-se.
Hoje, a decência e o bom senso que mataram o Peter Pan impedem-me de fazer rankings de meninas, de lançar pedras à cara de meninos e até de rir como um perdido.
Mas não faz mal. Cada coisa a seu tempo.
Ficam as memórias de uma doce e velha infância.
E uma lágrima a correr livre pelo rosto sardento.
É capaz de ser o ar condicionado a devorar as lentes de contacto.
Sim, é isso.
NOTA
Com a publicação do díptico "Regresso ao Passado - Velha Infância", "O Eldorado" despede-se de todos os seus amigos, para umas merecidas férias longe dos computadores.
P.S: Leia em baixo o post "Regresso ao Passado - Velha Infância, parte 1".
5 comentários:
Então, umas boas férias... Que esse descanso ou esse tempo a mais, te faça borbulhar ideias e inspiração para uns "postzinhos" na volta.
Um beijo
Ai... que mania "nova" é esta de toda a gente tirar férias? Que inferno!
Beijos. Trombudos, mas ainda assim beijos.
Boas férias..aproveita para te divertires e descansar!!!
Que rica vida, uns com tanto e outros com tão pouco...
Chiça, já não chega?
Ai... que chatice vir aqui e não ver nada de novo!
Pasmaceira! Já não chega de férias?! Hum?!???
Beijos
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