24 fevereiro 2009

A Vida Secreta de um Carro Alegórico


Não pensem que a vida de um carro alegórico é só folia, serpentinas e papelinhos coloridos.
O Carnaval são três dias e a vida só dois, diz o adágio, mas nem queiram saber o que custa esse par de dias para os carros carnavalescos.

Logo após o Carnaval, os carros alegóricos são escondidos em celeiros algures no Baixo Alentejo.
Uma localização só conhecida pelo exército português e pelo José Cid.
É uma espécie de Área 51, não com os extraterrestres de Roswell mas com os outrora cisnes das estradas, transformados em patinhos feios do alcatrão.

Ali vão permanecer durante quase todo o ano, debaixo de oleados cheios de nódoas e teias de aranha porque, convenhamos, um carro alegórico nunca servirá para levar a miúda ao cinema, por exemplo...

"Olha, amor, vou-te buscar às 9, no meu carro 'Neptuno, Rei dos Mares'.
Vais lá em cima no trono, junto à sereia gigante de fibra de vidro e celofane.
Sim, eu sei que os teus pais não te querem ver comigo, mas prometo ser discreto."

Um carro alegórico não tem amigos, nem polícias ou ladrões.

Jamais verá um ser alvo de "alegoric-carjacking", pois não é crível que um gang encapuzado da Bela Vista ou da Buraca se resolva a assaltar ourivesarias com pompa e extravagância.

Jamais verá um ser multado por excesso de velocidade, até porque estes carros não passam de tractores transformistas, que escondem rodados e arados, sem conseguir disfarçar o másculo ronco do motor, mesmo que abafado por um "atravessei o deserto do Sahara, o sol estava quente e queimou nossa cara".

Um carro alegórico está proibido de andar na auto-estrada e em vias secundárias.
E também na cidade, junto a outros carros, em ciclovias ou na via do bus.
Esperam há muito a aprovação de uma via pejada de papelinhos onde possam circular à vontade.
É triste que este governo, junte à impotência para resolver os problemas do desemprego, da saúde, da justiça e dos múltiplos desajustes sociais, uma completa indiferença para o caso dos carros alegóricos.

O ano corre e os carros alegóricos ganham pó.
Só saiem por alturas da inspecção automóvel e, mesmo aí,mais valia não saírem.

Convenhamos que é humilhante quantificar as serpentinas na parte de trás do cabelo de Santana Lopes, constatar se o Magalhães tem triângulo e colete reflector, constatar o estado dos pneus da Simara, mandar acelerar uma cabeça gigante de Sócrates ou averiguar se os mamilos da Nereida piscam convenientemente para a direita e para a esquerda.

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