31 março 2008

Assim escreve Bruno Nogueira

O Eldorado - Edição nº 220

Gostava de ser assim como ele, mais novo, mais magro, mais alto e acima de tudo mais talentoso. Só prescindia da Maria Rueff que não faz o meu género, mas muitas vezes faz um bom número.
Perceberam?
Eh, eh!... "género" e "número"!!
Pois...

Aqui vai a magnífica prosa de alguém que todos conhecem como sendo um excelente humorista e um promissor actor.
Será ele o "novo Miguel Esteves Cardoso"?

O Bruno a brincar

"O português transfigura-se quando sabe que vai para o Algarve.
Há vários sítios em Portugal, lindos por sinal, para passar as férias da Páscoa.
Mas o Algarve toca fundo no coração do português.
Tudo começa na viagem.
Como assim?
Calminha.
O peso do carro.
Percebemos que uma família vai para o Algarve quando o carro está com mais duzentos quilos do que devia, com o pára-choques traseiro a fazer faísca na estrada, uma fralda pendurada na janela de trás para o menino coitadinho não apanhar sol, e com um pack de 24 rolos de papel higiénico a tapar o vidro de trás da viatura, para facilitar o acidente.
Porque toda a gente sabe que o papel higiénico está a acabar no Algarve.
Isso e a navalheira.
São duas coisas que estão no fim dos fins.
Se a mesma viatura tiver um triângulo a dizer "Criança a Bordo" da Milupa, com o Vitinho todo jeitoso, então nesse caso não se pode pedir muito mais a Deus.
Deus, ao enviar-nos para a estrada ao mesmo tempo que esse carro já nos deu tudo o que tinha a dar.

Chegam então ao destino.
O pára-choques de trás ratado e o condutor com um boné de uma gasolineira qualquer (mutação que se faz sentir a meio caminho, para os lados do Alentejo).
Pousam no hotel toda a mobília do T2 que veio na bagageira.
E saiem as pessoas em números que desafiam a lotação do carro.
Começa o fenómeno: Manadas e manadas de portugueses a correrem para a praia, como se a areia fosse acabar amanhã.
A reacção normal seria: "Vamos ficar no quarto que está chuva e frio"
Bem sei, mas isso é secundário.
Se os convidassem para ir para a praia da costa da caparica num dia de inverno achariam ridículo.
Mas no Algarve já é outra coisa.
É classe.
Dois fenómenos claramente portugueses: ir para os centros comerciais com sol e para a praia com chuva.
Há, no entanto, uma peça fundamental que se repete nestes dois acontecimentos:
O fato de treino.
Vão de fato de treino ABIBAS ou REEBOKA para o Colombo porque nunca se sabe se não vai estar lá a Vanessa Fernandes a fazer um triatlo entre a Zara, a Massimo Duti e a Fnac.
E vão de fato de treino para a praia porque os calções estão fora de questão, a não ser que queiram perder as duas perninhas com o gelo.
Chegam.
Sentam-se em cadeiras de praia a ler o Correio da Manhã e a comer sandes de borrego que levam numa geladeira.
Os mais tímidos ficam a ler a Bola dentro do carro enquanto a esposa dorme no lugar do pendura.
Voltam a casa com os carros mais leves e com o profundo sentido de dever cumprido.

Para o ano há mais."

"Para o ano há mais"; Blogue "Corpo dormente"; 25 Março 2008


O Bruno a sério

"De tudo o que me faz pensar, há uma coisa que me atropela a cabeça.
A idade.
Não a minha, a deles.
Há qualquer coisa que rasga.
Choram-me as estatísticas que eu estarei cá quando os meus pais não estiverem.
Muito nublado, bem sei.
Mas real.
Posso tê-los agora, e abraçá-los com a carne que me deram, mas...e depois?
Vejo-lhes os anos na pele e a pele dá-me saudades.
Saudades do que não vou ter.
É a lei da vida, e todas as frases feitas que pregarem nas paredes.
Mas a saúde teima em ir à sua vida cedo demais.
Não a deles, a das estatísticas.
Hoje tenho-os ali.
Visto daqui, dos meus olhos, não envelheceram.
Foram emprestando um ou outro ano aos ossos.
Quero o meu pai a ficar envergonhado quando diz "gosto muito de ti filho" e a minha mãe com gotas de amor a marcar passo nos olhos quando diz "gosto muito de ti filho, nunca te esqueças disso"
Nunca te esqueças disso.
E depois, o que fica?
As memórias não são de carne, são de lágrimas.
E essas custam mais a abraçar.
Há qualquer coisa que rasga, eu bem disse.
Sei que estão na casa dos sessentas.
Mais precisão do que essa acelera-me o sangue.
"São novos".
E porque é que não ficam sempre assim?
Atrasem o relógio quarenta anos, vá lá.
Só desta vez, ninguém vai dizer nada à terra.
Apetece deixar cair uma pedra na roda dentada e parar tudo.
A assobiar, para não ter de prestar contas.
A palavra filho é patente deles.
Quando a dizem há uma manta que protege o coração até cima.
Depois da estatística fica só o coração e a manta enrolada aos pés.
Podemos sempre puxá-la, mas nunca mais vai tapar tudo.
E não, nunca me esqueço disso."

"A falta de lei da vida"; Blogue "Corpo Dormente"; 04 Março 2008

6 comentários:

Anónimo disse...

ola joao paulo, sou o paulo RJS passei so para deixar ai o link da minha mais recente "novela" um pacto entre a ASAE e o bichinho da madeira, nao revelo nomes mas pelo texto chega lá,

um abraço e ate breve;

(espero um comentario positivo ou uma avaliação de 5* XD)

Huckleberry Friend disse...

Obrigado pelo par de gargalhadas que dei ao ler estes textos. Acrescento às marcas ABIBAS e REEBOKA uma que vi numa viagem às Berlengas: PAMU, com um lettering semelhante ao da PUMA. Fiquei a saber, pelo logótipo, que um pamu é um animal parecido com um puma, mas com as orelhas para a frente, tipo antenas de lagarta. Um abraço, caro JP!

PS: Já sei que depois (ou mesmo antes) do fim há um regresso... fico feliz!

João Paulo Cardoso disse...

Paulo Ribeiro:
Já deixei lá um comentário no... no... annn... naquele lugar estranho onde escreveste esse texto humorístico.

Um abraço.

João Paulo Cardoso disse...

huckleberry friend:
Quanto ao Bruno, parece que o talento mede-se mesmo aos palmos.

Quanto a mim, o regresso, mesmo que ainda não tenha ido embora, está para breve.

O objectivo é que o novo blogue seja melhor do que este.

Um abraço.

N.M disse...

De facto o bruno nogueira tem muito talento!!!

MariaV disse...

Simplesmente fantástica, a faceta séria! Não lhe conhecia este registo, mas fiquei fã.
Bjs