27 dezembro 2006

O meu barbeiro (e a caturra dele)

Postagem nº 17

De dois em dois meses submeto-me aos 25 minutos mais bizarros de que há memória. Minutos para cortar/aparar o cabelo, ou o que resta dele, por obscenos sete euros e meio. Barbeiro à antiga, até pela barba branca a dar ares de Capitão Iglo. Na parede, poster de "gaja nua" cada vez mais amarelado pelo tempo. Conheço cada imperfeição do seu corpo de papel como se fosse minha gémea siamesa. Ponto para mim.
Para quem não se interessa pelas conversas sobre o excitante mundo da pesca, existe uma mesinha ao centro da sala, onde convivem o "Correio da Manhã" e diários desportivos. Foi sempre apanágio da gerência da casa a aposta na leitura para os tempos mortos. Isso e a televisão acesa ao canto da sala, 80% das vezes sintonizada em documentários do mundo animal. Ponto para o barbeiro.
De resto, a vertente animal é uma das características desta Barbearia, na principal Avenida do Pinhal Novo. Em tempos, se a memória não foi cortada a pente zero, havia ali um aquário com peixinhos coloridos. Mas, a juntar à conversa de pesca, era peixe a mais. Então apareceram os periquitos que esvoaçavam à solta, rente às cabeças que se despediam do cabelo a mais. Até que apareceu ela, com ar de amante fatal, rivalizando com a menina amarelada no poster. É a caturra do barbeiro.
Os seus passatempos favoritos são esvoaçar aparvalhadamente, depenicar tufos de cabelo morto ou descarnar o cabo do aquecedor aceso. Mas, nos últimos anos, ela vem aprimorando a arte do escárnio e arrogância próprios das aves que sabem ser belas.
Pousa no balcão à minha frente e zomba do que resta do meu escalpe. E ri-se. Juro que se ri, com a sua poupa colorida lá no alto, como orgulhoso estandarte da espécie. Eu já só aceno a bandeira branca, porque sei quando estou derrotado.
Podia dizer que tenho pena, mas nem isso ela admite. Ela é que tem pena(s).
Ponto para a caturra.

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